Muitos afirmam que o cannabis abre uma porta para uma percepção mais profunda da música, por isso, esta planta milenar tá ligada à cena artística musical há bastante tempo. No entanto, hoje é possível comprovar cientificamente se isso é verdade, ou seja, quais mecanismos o cannabis ativa em nosso cérebro que permitem apreciar melhor as notas de uma canção? Mas antes de entrar no assunto, vamos revisar o papel do cannabis na música ao longo da história.
Cannabis e a música ao longo da história
A relação entre o cannabis e a música remonta a séculos atrás. Em culturas como a indiana, o cannabis tem sido utilizado em cerimônias religiosas e culturais há mais de 2.000 anos. Os antigos gregos e romanos também usavam cannabis pra melhorar sua experiência musical. Na cena mais contemporânea, o cannabis ocupou um espaço muito especial dentro da cultura musical em vários gêneros como rock, reggae, hip-hop e jazz. De fato, durante a época da proibição, nos Estados Unidos, foi cunhado o termo “Jazz Cabbage” pra se referir ao cannabis, numa tentativa de associar o cannabis à população afro-americana e ao Jazz, visando estigmatizar não apenas a planta, mas um grupo da população e dissuadir os jovens brancos do consumo dessa substância. Durante os anos 60, o cannabis se tornou um elemento central do movimento contracultural hippie. Muitas canções da época falam abertamente sobre o uso desta planta, e artistas como Bob Marley ou Jimi Hendrix se tornaram ícones da cultura canábica. Diz-se que foi nessa época que Bob Dylan apresentou o cannabis aos Beatles no Delmonico Hotel em 1964, e supostamente Paul McCartney disse ter alcançado um nível de clareza mental como nunca antes na vida dele.
O consumo de cannabis melhora a percepção da música?
Além dos testemunhos tanto de músicos quanto de pessoas que consomem cannabis e desfrutam do som dos maiores, agora a ciência pode lançar luz sobre este assunto. Vários estudos têm se concentrado em entender como o cannabis e a música impactam nosso cérebro, aparentemente, o som é processado da medula espinhal até o córtex cerebral, de modo que todo o sistema nervoso central se ativa quando ouvimos música; isso significa que nosso cérebro realmente se ativa com a percepção musical, mais do que quando realizamos outras atividades.
Como a música afeta o cérebro?
Embora os mecanismos pelos quais a música afeta nosso cérebro ainda não estejam totalmente claros, alguns estudos indicam que a música poderia reduzir a pressão arterial em vários pacientes. Um estudo (2) realizado em 2004 sugere que a música poderia regular e/ou afetar várias funções cerebrais através da neurotransmissão dopaminérgica e, portanto, poderia ser eficaz pra retificação dos sintomas em diversas doenças. Aparentemente, a exposição de nosso cérebro ao som da música faz com que nosso cérebro libere dopamina, o hormônio da recompensa e da satisfação, por isso a gente se sente melhor e mais feliz.
O que a ciência diz sobre a relação entre o cannabis e a música?
Além dos múltiplos testemunhos que afirmam que a percepção da música melhora com o consumo de cannabis, a ciência quis investigar quais são as razões por trás desse fenômeno.
Tanto o cannabis quanto a música geram sensações de bem-estar
Como já mencionamos, a música contribui pra que nosso cérebro libere dopamina e isso nos produz sensações de bem-estar. Dado que o cannabis também produz esse efeito em nosso cérebro a curto prazo, pode-se deduzir que os dois elementos ao mesmo tempo geram um alto nível de gratificação pra nosso cérebro. Portanto, a experiência musical em combinação com a ação dos canabinoides nos receptores CB1 do sistema endocanabinoide situados em nosso cérebro ativaria simultaneamente o sistema mesolímpico de nosso cérebro aumentando a liberação dopaminérgica. 
Por que a música é percebida de uma forma mais profunda?
Muitos usuários relataram uma experiência mais profunda ao ouvir música após consumir cannabis, especialmente aqueles que não são consumidores habituais de cannabis. Alguns estudos (3) apontam que o cannabis inibe a atividade do hipocampo, o que interfere na formação de memórias de curto prazo. Isso faria com que a mente se concentre melhor no momento presente, melhorando a concentração e evitando que a mente busque memórias pra prever o que vai acontecer a seguir. Portanto, em pessoas que não estão habituadas ao consumo de cannabis, a combinação do cannabis com a música faz com que o cérebro perceba as melodias como algo mais novo e impactante. Outro estudo (1) encontrou que quando uma pessoa presta atenção à música, seu cérebro mostra certos padrões de atividade elétrica em áreas específicas do cérebro. Esses padrões incluem um aumento no sinal alfa no córtex parietal, mudanças significativas na banda theta em áreas temporais e na banda alfa em áreas occipitais. O consumo de THC também parece ter um efeito mensurável no processamento musical no cérebro, melhorando temporariamente a percepção acústica. No geral, essas descobertas sugerem que a intensificação temporária da atenção pode melhorar a percepção musical e que o THC pode ter um efeito no processamento musical. 
O consumo de cannabis altera a percepção temporal
Muitos usuários relataram que parece que o tempo passa mais devagar sob os efeitos do THC. Embora seja verdade que isso também acontece com aqueles que não consomem cannabis habitualmente (acredita-se que os consumidores crônicos, com o tempo, deixem de experimentar isso), trata-se de um dos efeitos colaterais mais comuns sob doses altas de tetrahidrocanabinol. A verdade é que vários estudos apontam que o cannabis tem um impacto em nossa percepção do tempo assim como na velocidade do nosso relógio interno, causando um efeito semelhante ao de “expandir” os minutos. Sob os efeitos psicoativos desta planta, alguns podem se surpreender ao perceber que, enquanto o relógio marca um transcurso de cinco minutos, eles perceberam como se fosse 30, por exemplo. Isso faz com que ao ouvir música o ouvinte tenha um sentido auditivo mais aguçado, já que experimenta as canções de uma maneira mais detalhada, pois “tem mais tempo” pra examinar o que escuta. Por isso, sob a psicoatividade gerada pelo cannabis, algumas pessoas têm a sensação de perceber mais informações musicais e uma habilidade aprimorada pra discernir as notas musicais. À medida que a regulamentação avança, a ciência consegue dar explicação a algumas das experiências que até agora apenas poderiam ser relatadas pelos usuários através de seus testemunhos.
- Fachner, J. (2006). An Ethno‐Methodological Approach to Cannabis and Music Perception, with EEG Brain Mapping in a Naturalistic Setting. Anthropology of Consciousness
- Sutoo, D., & Akiyama, K. (2004). Music improves dopaminergic neurotransmission: demonstration based on the effect of music on blood pressure regulation. Brain Research.
- Paul, S., & Bhattacharyya, S. (2020). Cannabis use‐related working memory deficit mediated by lower left hippocampal volume. Addiction Biology.
